segunda-feira, 4 de julho de 2011

Frozen inside ♪

Lábios rachados, mãos ressecadas, nariz irritado. Os olhos puxados delineados de preto, a franja lisa e negra escorrendo-lhe, desgrenhada, pelo rosto, o sorriso quebrado quase desfazendo-se.
Estava sentada no chão frio do banheiro, uma das mãos cobrindo o rosto, a outra apoiada no piso branco e azulejado.
Ali, bem ao lado dela, caída, estava a pequena lâmina prateada e, como sempre, o pozinho branco sobre ela. Vícios e fraquezas, frieza e força...Lá estava ela, o paradoxo ambulante.
Levantou e olhou-se no espelho da penteadeira, suas olheiras estavam fundas e a vermelhidão era evidente em suas narinas. Tirou a blusa, deixando assim à mostra também as marcas roxas em seu antebraço esquerdo, e abriu a torneira da banheira.
Enquanto esperava para que esta estivesse completamente cheia d'água, limpou o chão, guardando o que sobrara do pó em um saquinho e recolocando a lâmina na terceira gaveta da penteadeira, onde sempre ficava.
Subiu rapidamente na balança, estava com 46 quilos para seus 1,70 de altura, dois quilos a menos do que na semana anterior, o que a assustou, mas nada demais; tinha uma falsa certeza de que nada mais poderia salva-la no ponto em que estava. Desceu da balança, tirou a calça jeans surrada que usava e a jogou no chão enquanto abria o sutiã com a outra mão. Olhou-se novamente no espelho e pensou que talvez não houvesse problema com uns quilinhos a menos. Fosse como fosse, terminou de tirar a roupa e entrou na banheira.
A sensação da água quentíssima de encontro a sua pele gelada causou-lhe dor, mas nada que não pudesse suportar. Deitou-se.
Já fazia algum tempo que ela estava incapaz de chorar, isso era o que eles chamavam de força, não era? Uma frieza escrota, acima do normal, na qual você sente as dores da vida como socos no estômago e chutes na face, sente um enjoo forte, dores de cabeça e calafrios, mas não chora. Não consegue.
E, além de não conseguir, não quer. Chorar é fraqueza.
Ao não chorar, ao não sentir, ao resfriar a alma, acabava por sentir tudo muito mais forte do que sentiria se simplesmente se deixasse levar pelo normal, pelo comum e usual, se apenas se contentasse em sentir como os demais, chorar como os demais. Mas não, ela era forte, não era?
Nesse momento, em pleno êxtase, sentindo o efeito do que havia usado pouco antes, saiu da banheira, da água quente, do falso conforto, vestiu um roupão branco e, andando mais rápida e determinada do que normalmente, fechou a mão e socou, com todas as forças que tinha e não tinha, o espelho, fazendo com que boa parte deste fosse ao chão em cacos e outra boa parte sofresse os danos formando rachaduras e ondulações.
Olhou para a própria mão, haviam pequenos cacos fincados em seus nós dos dedos e o sangue quente, fervilhando ódio e raiva inexplicáveis, escorria por seu braço e pingava no chão.
Era forte, não era?
Abriu a terceira gaveta, segurou na mão machucada a lâmina prateada e o resto do pó. Os rodou entre os dedos cortados apreciando a beleza da fraqueza. Abriu a segunda gaveta e, também com a mão retalhada, segurou uma seringa, uma colher, meio limão e outro saquinho com um pó um pouco mais espesso.
Com a mão boa abriu a tampa do vaso sanitário e arremessou tudo isso dentro dele. Pressionou a descarga com força e deu adeus a tudo o que ainda restava da sua fraqueza.
Virou as costas e dirigiu-se de novo a banheira e, ao alcança-la, mergulhou a mão na água quente.
Era provavelmente a quarta ou quinta vez que repetia esse teatro. Se possuía alguma força sequer, esta estava em sua mão, que já aguentára quebrar mais vidros do que qualquer fabricante de bebida ou viciado em álcool quebraria em sua vida.
Deixe estar... Qualquer dia aprenderia que força mesmo só possui quem aguenta ser chamado de fraco ao não ser.

Um comentário: